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“Top Management”

Blue Ocean Strategy em Hotelaria

 

Quando Chan Kim and Renée Mauborgne, professores do INSEAD, lançaram o best-seller Blue Ocean Strategy, seria difícil imaginar que, 12 anos e 3,6 milhões de cópias mais tarde, os princípios por trás da sua teoria se manteriam tão atuais. A ponto de sentirem necessidade de lançar um segundo livro – Blue Ocean Shift – focado nas estratégias de sucesso para fazer o “shift” para um novo paradigma.

A teoria defende que uma estratégia de sucesso passa por encontrar um espaço competitivo próprio, baseado numa proposta de valor única – o tal “blue ocean” -, por oposição ao foco nas variáveis estabelecidas pelo mercado existente, cuja dinâmica competitiva leva, invariavelmente a uma forte pressão para redução de preços e aumento de custos – um “bloody red ocean”.

Para encontrar esse espaço, as empresas começam por desenhar a “curva de valor” da sua indústria, que mais não é do que um gráfico em que se listam os vários fatores em que a indústria compete, atribuindo-se, a cada um, o seu grau de importância para o cliente. Para um hotel de luxo, por exemplo, os fatores incluiriam certamente o prestígio da marca, a qualidade do serviço, o ambiente no lobby, o conforto do quarto, entre outros. Obviamente, havendo concorrentes com diferentes estratégias – “grupos estratégicos” -, será necessário desenhar uma curva para cada um. Por exemplo, em Lisboa, o Four Seasons e o Sheraton poderão apostar mais no reconhecimento internacional da marca, o Tivoli e o Pestana mais na tradição e história da unidade.

A partir dessa base, é necessário traçarmos a nossa própria “curva de valor”, assegurando-nos de que cumpre três requisitos:

  • Focada – não aposta em todos os fatores por igual, foge à tentação de querer ser tudo e acabar por não ser nada;
  • Divergente – Difere decisivamente das curvas dos concorrentes, eliminando ou reduzindo variáveis tradicionalmente dominantes, aumentando outras que são pouco valorizadas, e (sobretudo) apostando em fatores que os concorrentes nem consideram;
  • Uma “tag line” apelativa – os dois requisitos anteriores só poderão considerar-se cumpridos se conseguir sintetizar a sua proposta de valor numa frase simples e curta.

A criação de valor excecional virá daquilo que os autores chamam “value innovation”, que mais não é do que a quebra do célebre paradigma de Porter, impõe a escolha entre uma estratégia de diferenciação e preço alto ou uma estratégia de eficiência e baixo custo. Numa estratégia “blue ocean”, vai-se, por um lado, buscar valor e capacidade de sustentar preços elevados aos fatores inovadores que a indústria não tem, e, por outro, eficiência pela redução ou eliminação de fatores em que todos os outros competem e que os clientes, afinal, não valorizam.

Pelo seu caráter conservador, a indústria hoteleira não é rica em exemplos de estratégias “blue ocean”. Mas foquemo-nos em dois bons exemplos: a W Hotels e o fenómeno dos Apartamentos tipo AirBNB.

A W Hotels, criada em 1998, pela Starwood (hoje Marriott), e hoje com 80 unidades em todo o mundo, foi uma autêntica pedrada no charco no panorama da hotelaria de marca internacional. Com um estilo simultaneamente trendy e informal, uma sala de estar no lugar do lobby, e um ambiente vibrante, a W era a antítese dos incumbentes da hotelaria de topo. Ao mesmo tempo que poupa nos quartos, com áreas inferiores e acabamentos simples, a W Hotels oferece uma experiência única aos emergentes Millennials, e faz o “skimming” dos clientes de maior valor, a quem cobra preços equivalentes aos dos melhores hotéis de luxo.

Os Apartamentos tipo AirBNB surgem como um novo sub-setor de alojamento, navegando um enorme “blue ocean”. Ao oferecerem um produto diretamente concorrente da hotelaria tradicional, com um serviço reduzido ao essencial, uma distribuição ultra-simplificada, através de um canal de distribuição quase exclusivo, e aproveitando um enquadramento legal altamente favorável, os Apartamentos alavancaram, antes de mais, uma vantagem de custos. No entanto, apostarem em novos fatores competitivos, alinhados com tendências do consumidor, como a experiência de vivência de um bairro histórico. Muitas unidades são hoje capazes de obter preços médios comparáveis à hotelaria tradicional, gerando níveis de rentabilidade muito atrativos. Claro que a explosão de oferta dos últimos anos deverá levar, a prazo, a um novo “red ocean” dentro deste sub-setor, mas caberá aos melhores encontrarem o seu espaço único, diferenciando-se já não apenas da hotelaria, mas sobretudo dos concorrentes do mesmo formato.

Fácil não é. Mas a oportunidade para quem abordar o mercado de forma disruptiva, criando um espaço competitivo único, é enorme. Eu acredito que vale o esforço.

 

UM CONTRIBUTO DE…

Miguel Abecasis | Senior Partner e Managing Director, BCG Portugal

Na tua experiência em diversas indústrias, vês a aplicação destes princípios?

Sim, é inegável que, nas mais diversas indústrias, os players que mais capazes são de antecipar e promover a mudança, inclusivé influenciando as necessidades e preferências dos clientes, são aqueles que sustentam e reforçam posições competitivas muito mais fortes, sólidas e rentáveis.

Em que setores viste uma maior capacidade de repensar o negócio nos seus fundamentos?

Os setores que mais rapidamente se viram obrigados a capacitar-se de forma a repensar os seus modelos de negócio foram aqueles mais suscetíveis à inovação tecnológica: equipamentos e soluções/plataformas de telecomunicações; media e entertainment; música e edição discográfica; etc.

Conheces algum caso interessante na indústria do turismo?

Tem havido casos interessantes de fuga à competição “head-to-head” pelo binómio qualidade/”estrelas” vs. preço. O AirBNB ou o “couch surfing” são ótimos exemplos, mas os hostels também o foram no sentido em que criaram o seu próprio “mercado” no que toca à conceção de qualidade e relação com o preço. A forma como o Dubai se posicionou de forma distintiva no luxo extremo e na exploração à exaustão do MICE também é um bom exemplo. A forma como alguns players aliaram o turismo a outros conceitos como saúde, bem-estar ou lazer sénior. Os próprios “marketplaces” ou motores de busca e avaliação como o Booking.com. Mas a inovação continua e hoje em dia já vemos players a explorarem outras vias, como o desenho de pacotes à medida, com base exclusivamente em plataformas “app-based” de avaliação de perfil e preferências de clientes.

Quais te parecem ser os principais obstáculos à adoção de estratégias disruptivas?

Há vários, mas o principal é a complacência. Basta ver o caso de empresas como a Nokia. Em 2009 o seu CEO dizia: “Nokia is operating from a position of strength: we have unmatched scale”.

Escrito por Filipe Santiago

Maio, 2018

Este artigo foi publicado na Publituris Hotelaria como parte da coluna de opinião “Top Management” . Pode aceder à versão impressa aqui.

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